quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

doze movimentos para dois anos

Um
o final das histórias reflete a essência delas. tudo aquilo que começa com omissão só pode acabar de maneira violenta. ele não aceita que eu seja contraditória. eu não posso amar e romper ao mesmo tempo ele não entende ele me agride. pra quê banhos tão longos tantas horas de preparo tanta maquiagem? pra quê tanta ansiedade tanta fome de ver? pra quê tanta cama tanto sexo?  pra quê tanta aceitação? a verdade é que esse homem não aceita que eu sinta amor por ele. eu não quero que nada parecido aconteça comigo de novo. eu nasci sem casca. as coisas não chegam até mim - elas me invadem de uma vez. o mundo é uma catástrofe invadindo minha carne. as pessoas com casca, elas me irritam profundamente. elas falam e agem sem medo de ferir. eu fico tomada de ódio pela minha carne violentada e arranco a casca dessas pessoas eu arranco com a faca arranco com as unhas. mas quando eu arranco a casca delas. elas morrem.

Dois
uma noite ele estava em cima de mim e eu disse: mas isso só acontece porque você foi meu professor e eu fui sua aluna e ele disse: eu não dou a mínima para o fetiche eu poderia ter te visto num bar e eu ia te achar uma gata mesmo assim eu ia falar com você mesmo assim e eu pensei: que bobo, um velho num bar.
Três
na primeira vez que fez aquilo comigo ele disse que queria ser lembrado como um amigo pra todas as horas - alguém pra confiar. a palavra amigo soava estranha pra mim mas mesmo assim eu achei bonito. ele queria que eu guardasse essa lembrança eu queria guardar essa lembrança mas era uma lembrança de mentira. ele omite tudo e as lembranças são de mentira por causa disso. ele queria que eu omitisse também. eu não vou.
Quatro
eu deitei no peito dele uma vezno quarto dele uma vez,  a carne exausta.  a gente ficou ouvindo aquela música que dizia love me love me, say you do, let me fly away with you, we’re creatures of the wind, wild is the wind,  give me more than one grasp, satisfy this hungryness, we’re creatures of the wind, wild is the wind, you touch me I hear the sound of mandolines, baby, you kiss me, with your kiss my life begins, com seu beijo minha vida começa minha vida começa minha vida começa minha vida começa minha vida
Cinco
a gente fingiu que criou vínculo profissional pra gerar dependência. eu fingi que precisava da ajuda dele e ele fingiu que me ajudava. é uma enganação acreditar que a perda está na instância profissional. há uma história de amor chegando ao fim da pior maneira e isso é tão tão mais importante.  eu disse que ele sofreria menos que eu e ele sentiu ódio de mim por causa disso. mas estamos falando sobre solidão. abandonar alguém que você ainda ama é como ser abandonado. eu abandonei esse homem e ele ainda tem a mulher dele. eu me abandonei e vou ficar no escuro - o mundo vai ter que começar de novo. então sou eu sim quem sofre mais e que briga boba, essa, de saber quem sofre mais, mas eu insisto que sou eu sou eu sou eu sou eu sou eu
Seis
bem no começo, quando eu era adolescente, no meio do amor eu montei em cima dele e eu fiquei desesperada porque eu senti vontade de fazer xixi – você se lembra? calma calma calma eu to com vontade de fazer xixi. eu corri pro banheiro e nada saía de mim eu voltei sem graça e sem entender. depois eu descobri que era vontade de outra coisa.
Sete
hoje é dia vinte e sete do doze de dois mil e doze e eu pedi pra ele marcar a data na agenda porque seria nosso aniversário  de dois anos. eu nunca fiz dois anos com uma pessoa. eu nunca vou saber se ele reservou a data de verdade – às vezes você fazia isso de dizer que ia guardar o dia pra gente e desmarcar em cima da hora. hoje faz uma semana que eu rompi. o nosso aniversário de dois anos virou missa de sétimo dia.
Oito
pra quê tanto cuidado pra escolher a lingerie, meu deus, se ele tirava tudo com tanta pressa? quando eu sentia prazer, eu chorava. uma noite no quarto de motel a gente entrou na hidro enquanto a água subia bem devagar. eu olhava praquela hidro vagabunda e dizia a gente parece milionário – porque tudo era tão tão rico com você por perto. quando ele tentou ligar os jatos direcionados a gente sentiu cheiro de queimado e teve que ficar com a hidro sem massagem porque ela estava completamente quebrada. eu fiquei morrendo de medo daquele cheiro e imaginei aquele quarto pegando fogo mas até que seria bonito um final assim: nós dois morrendo juntos depois do amor.
Nove
eu não tenho homem aqui em casa. o meu pai e o meu irmão eu não vejo. eu projetei um pai e um irmão e um namorado em um homem comprometido que me comia. ele projetou uma mulher adulta e esclarecida e bem-resolvida e moderna e poligâmica em uma adolescente virgem. dadas as circunstâncias nós dois temos problemas mentais visíveis. risíveis.
Dez
eu devolvi o livro que ele me deu mas memorizei a dedicatória, ela dizia: uma das coisas (são poucas) que mais me importam e me interessam na vida está neste livro. dando este livro pra você, deixo contigo um tanto do que sou feito (você é feita disso também). com amor, C. com amor com amor com amor com amor com amor com amor com amor
Onze
ele é amigo de todas as exs dele. todas são estonteantes e incríveis e importantes. a mim ele detesta a mim ele despreza de mim ele quer distância. eu respirei e me senti única, enfim, pela primeira vez. exceção pelo ódio. especial.
Doze
ele disse que não há mais respeito entre nós - portanto não há mais segredo. minha história de amante. está tudo aqui: escancarado. eu não sei porque doze movimentos. talvez porque o número doze tenha um dois, e multiplicado por dois dá vinte e quatro, que também tem um dois e é o número de meses de dois anos, portanto dois meses da história cabem em um movimento, dois em um – aquele livro que eu te dei, sabe? porque o dois está em tudo. nós dois. eu queria quantificar tudo encaixar tudo mas nada do que realmente importa está no campo dos números. o que aconteceu está além. é isso: a janela do meu quarto dá de cara para a rua onde ele parava o carro. eu nunca mais vou ver o carro dele lá.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

cenário para o fim do filme

onde? ele disse, e eu escolhi o mar. o mar é muito longe, ele disse, a gente não chega, é melhor algum lugar na cidade mesmo. não existe, eu disse, não existe lugar na cidade que comporte o que vai acontecer, eu preciso te dizer o que eu preciso e correr pra água depois, foi você quem me ensinou o afogamento, a falta de ar, e eu preciso voltar pra lá, pro escuro das ondas, escuro das coisas, você já lavou tudo aquilo que existia dentro de mim, eu disse, eu preciso que o mar me lave por fora, eu não vou conseguir recuperar nada daquilo que você me tirou, eu vou tirar você de dentro de mim e isso vai gerar tempestades, não há calçada na cidade que suporte as rachaduras, não há estabelecimento que sustente essa lembrança, eu preciso entrar em um lugar pra nunca mais sair, eu disse, pra nunca mais voltar, só o mar comporta porque ele comporta o mundo inteiro, ele comporta tragédias de guerra e de fome, então talvez ele comporte tudo aquilo que eu perdi, tudo aquilo que eu vou romper, o mar me chama pra queda. o mar é muito longe, ele disse, a gente não chega, então eu escolhi algum lugar na cidade mesmo –  o mar vai ficar aqui dentro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

eu não bebo leite

é leve, o amor.
você dorme sozinha todas as noites em um quarto que ainda é um pouco de criança, com paredes de criança e pelúcias de criança. você pensa nele antes de dormir e abraça uma pelúcia, você pensa nas coisas que ele faz com você e ouve a respiração do seu cãozinho na cama - ele respira alto como se ainda fosse um filhote, ele ronca -  você dorme e acorda dorme e acorda num movimento contínuo de ansiedade por vocês, por ele. você sai escondida com ele e você brinca de ter dinheiro, escolhe uma massa cara e fala sobre a europa. é simples assim.
você usa maquiagem bonita, vestido bonito, sapato bonito e sente que tudo derrete um pouquinho a cada vez que ele fala sobre mulheres mais especiais, você escuta tudo tudo tudo com muita atenção até que todas as maquiagens, vestidos e sapatos derretam, até que você esteja apenas revestida por pele,  exposta, esperando palavras que são atravessadas pela invasão antes de nascerem. você ainda com a cabeça e o coração doloridos pela madrugada, recebendo aquilo, recebendo aquilo. na primeira vez que ele fez aquilo com você, ele queria ouvir como é que você se sentia virando mulher, você se lembra de não conseguir falar, de não querer falar, de querer ficar com a nova você, de dormir olhando para o canto e não falar sobre aquilo. agora você já precisava falar alguma coisa e não sabia bem o quê, mas ele não queria ouvir mais nada, ele queria dormir olhando para o canto e não falar sobre aquilo - ele respira alto como se ainda fosse um filhote, ele ronca -  você dorme e acorda dorme e acorda num movimento contínuo de ansiedade por vocês, por ele. você pensa nele antes de dormir, em um quarto de adulto agora, a pelúcia é ele, a respiração do seu cãozinho é ele, você pensa nele e segura-se a ele, você sorri ao perceber que o mesmo homem que foi tão violento com você alguns minutos antes é aquela pelúcia pequena em suas mãos, aquele cãozinho que dorme em suas mãos. é bonito assim.
você acordada vê que ele acorda, ele deita com o corpo perpendicular ao seu corpo, a cabeça dele repousa em seu ventre, você faz carinho nos cabelos nas barbas e nos pêlos todos, é o seu cãozinho, ele beija a sua perna, ele pula como um cão faminto por rua, ele vai para a rua e você toma um banho sem estar suja, com ele você nunca fica suja, porque é ele. você toma um banho com os produtos dele para que os cheiros daqueles pêlos sejam também os cheiros seus, você seca os pêlos próprios com a toalha dele, você nota a escova de dentes de uma mulher no banheiro. a escova de dentes dela é exatamente igual a sua escova de dentes. você tem um impulso inicial de pegar aquela escova de dentes para limpar o lado de dentro do vaso sanitário, você quase faz isso, você sai do banheiro. ele te oferece leite e você diz: eu não bebo leite, ele resolve o problema na hora, ele te faz café. tão simples, você pensa, se a pessoa que você ama não gosta de alguma coisa, você rapidamente faz alguma outra coisa para agradá-la. tão bonito. ele, cão, brinca com outro cão tentando imitá-lo - ele respira alto como se ainda fosse um filhote, ele ronca - você acorda e acorda acorda e acorda num movimento contínuo de ansiedade por vocês, por ele. você bebe o café e observa as duas imagens grudadas na geladeira, tem um índio com a boca igual a dele e tem uma mulher com o sofrimento igual ao seu, você fica se perguntando se foi a dona da escova de dentes quem grudou aquilo lá, se ela também pensou isso, se ela também sofre esperando pela boca dele, ele atende o telefone e você sabe que é ela, você se arrepende de não ter limpado o vaso sanitário com a escova de dentes dela, como é que ela se atreve a sofrer se ele é dela e se é a escova de dentes dela que está no banheiro dele. eu estou sozinha no meu quarto de criança, com dores no sexo e sem data prevista para encontrá-lo.
é leve, tão leve.

domingo, 18 de novembro de 2012

sobre estar cega

eu fico esperando, eu
você me viu murchar e perder as carnes e as peles, você
elas sabem que eu passei meses sem comer, eu passei meses sem comer um grão, as pessoas, elas
eu fico tentando entender, eu não sou nada disso, você sabe, mesmo sem carnes e peles, você
eu estou comendo há meses, eu como tudo aquilo que eu não deveria, eu não sou, você sabe, eu
você deveria me abandonar em breve, eu estou esperando, você
eu ainda não entendo o que é que você está fazendo aqui
elas, as pessoas, elas ainda não entendem o que é que você está fazendo aqui
carnes e peles e comidas a mais, metros a menos, anos a menos, eu tentei, sentimentos nojentos, posse excessiva, tudo de ruim está aqui, tudo de ruim está em mim, eu tentei enxergar o que é que você vê para não sair daqui, para não sair de mim, eu quero ver o que você vê, você não me diz, ou diz e eu não escuto você, eu quero entender o motivo, isso não é normal, você aqui há tanto tempo não é normal, eu queria que você largasse tudo por isso, você largaria por outras, é claro, isso eu já consigo entender, mas a permanência por mim, a permanência em mim,  isso eu já não entendo, eu odeio sentir assim, eu penso em te abandonar todos os dias, VOCÊ OLHANDO PARA MIM, EU NÃO ENTENDO, eu não creio que exista amor fora de mim, que é possível existir, que é possível que você sinta, você sabe que eu sou só isso assim, isso pequeno assim,  eu não enxergo, você sabe, você

você

você sabe que o discurso sobre liberdade é mais fácil quando se tem toda essa segurança, já eu

eu

eu sou invisível para mim.

sábado, 10 de novembro de 2012

organiz/elabor - ação da lógica dela

sim, ela percebeu que abandonaria aquele homem, era o que ela pensava, ela percebeu que aquele homem não era capaz de preencher todas as manhãs todas as tardes todas as noites, eu preciso de um maluco, ela pensava, psicopata, maníaco por mim, mensagens às três da manhã, aparições repentinas no horário de almoço, beijos de boa noite textos de boa noite sexos de boa noite, ela não tinha, ela recebe a invasão de tudo aquilo que ela não controla, palpitações líquidas, as batidas do coração entrando feito água pelas narinas, afogamento de lógica, e eu ouvindo a voz dele durante uma hora inteira, ela entendia, e eu com um misto de ódio de choro de vício de ver, e eu sabendo, sabia que os dias seriam de novo longos demais, ela sabe assim que a espera nunca poderia ser castrada, o arranhão da espera teria que ser um dado do próprio ser que era ela, ela, geradora do amor que habita o próprio ser que é ela, ela, amante todas as manhãs todas as tardes todas as noites, instância, ela percebeu, a instância era tudo aquilo que culminava na súplica, instância por constância, por falta de distância, por amenização de ânsia, era a vida rimada dela, a repetição do final, aparições beijos textos sexos rimados repetidos e imaginados durante todas as manhãs todas as tardes todas as noites, eu sou tão doce, tão doce, ela perceberá após as lágrimas internas, ele, a voz que estremece, ele, a voz que esfacela, era amor demais amor demais,  abolir o amor o choque a fusão, ela pensou, estremecida ela, esfacelada ela, ela percebe que não abandonará esse homem. não.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

para um viajante

vício de ver
febre de não ter o toque seu
você viaja sozinho e eu fico sozinha aqui
eu penso que podemos viajar juntos para algum lugar com mar e mato
eu tenho pesquisado quartos escondidos em cidades escondidas
e eu consigo nos imaginar em cada onda
em cada gota de orvalho
se eu disser que devemos nos esconder nos quartos escondidos das cidades escondidas
para sempre
você não pode dizer que não
você precisa olhar com ternura e passar as mãos em mim com dedos de sonâmbulo
você precisa dizer que sim que foge do mundo comigo sim que fica comigo sim
ali e em qualquer lugar
que já é hora de pintar com cores berrantes
as fitas transparentes que nos unem por todas as vértebras
a bolha transparente que está em volta de nós e do nosso nó
o beijo transparente que guardamos um do outro e um pelo outro durante a distância
você
é tão bonito
e eu quero ser assim também
eu quero ser beleza que pede por cores e berros
eu quero ser mais
que mais uma estrada pela qual você passa
eu posso ser a casa para a qual você retorna
e você pode se sentir à vontade
para pintar-me reformar-me
tirar tudo do lugar
e depois dormir em mim
deixa que eu me limpo sozinha
e dorme
deixa que eu te cuido
dorme dentro de mim dorme
mas sossega nas minhas cores
e esquece essas estradas
não sai mais de casa
Fica.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

a amante

os olhos fechados são traços com contornos de delicadeza. violência transformada. ela passa por cima do sono e observa o homem que dorme. ela precisa registrar o maior número de imagens possíveis disso tudo com os próprios olhos. ela tenta colar o cheiro dele no próprio corpo. ela não sabe o que é que ela faz com a euforia de saber que ele volta, ela não sabe o que é que ela faz com tudo isso. felicidade que afoga. ela tirou algumas fotografias daquele quarto de hotel para poder fugir para as imagens toda vez que o próprio quarto parecesse vazio demais. ela tirou algumas fotografias dele e todas as fotografias saíram desfocadas. mas é possível reconhecer os traços dele e é possível ficar olhando essas fotografias por horas, e é possível ficar sorrindo por horas, pelo simples fato de que ele é real, de que ele é palpável, de que ele está na cabeça, no coração, mas também está na língua, nos seios, no ventre e nas fotografias.  a alegria tem cheiro de chuva e ela sente saudade como quem sente prazer. sente o amor como quem sente prazer.

domingo, 2 de setembro de 2012

o prazer da criação

planificar cada um dos lados da existência, sem pragmatismo.

respeitar cada fragmento como se fosse um ser completo.

e assim compreender-se como algo maior do que aquilo que imaginávamos.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

tormento da pureza e do coração

duas horas da manhã e trezentos e sessenta e cinco dias de afogamento:
a leveza
de um permanente estado de imersão.
- - -
para cada cento e quarenta e quatro horas de descontentamento:
uma hora de inteireza
e essa febre -  essa falta de chão.

sábado, 30 de junho de 2012

fora do alcance das crianças

a maior obra de arte:
o ódio
na carne.
ponta de ferro na tela
dez traços vermelhos e ela:
o foco
desviado.
o desespero da menina
o rasgo na pele fina
o fumarato de quetiapina:
a dor
adormecida.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

apocalipse 48

o primeiro anjo tocou. caiu então sobre a terra uma chuva de pedra e fogo, misturados com sangue. a terça parte da terra se queimou. a terça parte das árvores se queimou. o que existia de verde se queimou.
a semana acaba antes da manhã de domingo. você tem exatas 48 horas para se redimir da ausência de nós. você tem exatas 48 horas para quebrar os vidros de florais manipulados com conhaque. você tem exatas 48 horas para enxugar as lágrimas da hipnoterapia. você tem exatas 48 horas para impedir o vício em benzodiazepínicos. se em 48 horas não houver redenção, vidros quebrados, lágrimas enxugadas e vícios impedidos, nós acabaremos e então eu estarei acabada.  eu sinto que eu não existo quando você não me vê.

terça-feira, 26 de junho de 2012

pesadelo no fim de tarde

abandono externo, escuridão interna. você me dizia que precisávamos dar um jeito em nós dois. você me dizia na nossa língua, você me dizia em francês. você me dizia publicamente que é preciso dar um jeito de chegar ao fim, porque o líquido negro sufocava o líquido branco. e eu chorava a humilhação de ser um líquido negro. e eu perdia a referência das coisas ao perceber que nada mais seria branco entre nós – que nada mais seria colorido dentro de mim. abandono interno, escuridão externa. o silêncio é branco dentro da sua cabeça azul. mas a invasão é negra.  a invasão é consistente. a invasão parece petróleo.  eu sou petróleo afogando a sua luz. eu sou petróleo sufocando a sua alma. um suspiro ao perceber que negro era o meu quarto – que negro era o meu cérebro.

domingo, 24 de junho de 2012

princípio da percepção

eu queria que você me olhasse da mesma maneira que um homem triste olha para uma mulher impactante. mas você me olha da mesma maneira que um homem alegre olha para uma mulher tola. pelo menos era isso o que eu achava até perceber que o seu rosto tem cor de transtorno e que os seus olhos são fundos de insônia e de preocupação. o seu olhar perturbador é triste. o seu olhar é desfocado, o seu cérebro é confuso e o seu coração é um eco do seu cérebro e dos seus olhos. você me olha da mesma maneira que um homem triste olha para uma mulher triste. nós poderíamos ser mais impactantes, mais alegres, mais tolos. mas nós somos tristes, transtornados, insones, preocupados, perturbados, desfocados e confusos. ainda assim, o seu sexo chama pelo meu fogo e o meu fogo chama pela sua fumaça. é tudo amor, não é?