segunda-feira, 26 de novembro de 2012

eu não bebo leite

é leve, o amor.
você dorme sozinha todas as noites em um quarto que ainda é um pouco de criança, com paredes de criança e pelúcias de criança. você pensa nele antes de dormir e abraça uma pelúcia, você pensa nas coisas que ele faz com você e ouve a respiração do seu cãozinho na cama - ele respira alto como se ainda fosse um filhote, ele ronca -  você dorme e acorda dorme e acorda num movimento contínuo de ansiedade por vocês, por ele. você sai escondida com ele e você brinca de ter dinheiro, escolhe uma massa cara e fala sobre a europa. é simples assim.
você usa maquiagem bonita, vestido bonito, sapato bonito e sente que tudo derrete um pouquinho a cada vez que ele fala sobre mulheres mais especiais, você escuta tudo tudo tudo com muita atenção até que todas as maquiagens, vestidos e sapatos derretam, até que você esteja apenas revestida por pele,  exposta, esperando palavras que são atravessadas pela invasão antes de nascerem. você ainda com a cabeça e o coração doloridos pela madrugada, recebendo aquilo, recebendo aquilo. na primeira vez que ele fez aquilo com você, ele queria ouvir como é que você se sentia virando mulher, você se lembra de não conseguir falar, de não querer falar, de querer ficar com a nova você, de dormir olhando para o canto e não falar sobre aquilo. agora você já precisava falar alguma coisa e não sabia bem o quê, mas ele não queria ouvir mais nada, ele queria dormir olhando para o canto e não falar sobre aquilo - ele respira alto como se ainda fosse um filhote, ele ronca -  você dorme e acorda dorme e acorda num movimento contínuo de ansiedade por vocês, por ele. você pensa nele antes de dormir, em um quarto de adulto agora, a pelúcia é ele, a respiração do seu cãozinho é ele, você pensa nele e segura-se a ele, você sorri ao perceber que o mesmo homem que foi tão violento com você alguns minutos antes é aquela pelúcia pequena em suas mãos, aquele cãozinho que dorme em suas mãos. é bonito assim.
você acordada vê que ele acorda, ele deita com o corpo perpendicular ao seu corpo, a cabeça dele repousa em seu ventre, você faz carinho nos cabelos nas barbas e nos pêlos todos, é o seu cãozinho, ele beija a sua perna, ele pula como um cão faminto por rua, ele vai para a rua e você toma um banho sem estar suja, com ele você nunca fica suja, porque é ele. você toma um banho com os produtos dele para que os cheiros daqueles pêlos sejam também os cheiros seus, você seca os pêlos próprios com a toalha dele, você nota a escova de dentes de uma mulher no banheiro. a escova de dentes dela é exatamente igual a sua escova de dentes. você tem um impulso inicial de pegar aquela escova de dentes para limpar o lado de dentro do vaso sanitário, você quase faz isso, você sai do banheiro. ele te oferece leite e você diz: eu não bebo leite, ele resolve o problema na hora, ele te faz café. tão simples, você pensa, se a pessoa que você ama não gosta de alguma coisa, você rapidamente faz alguma outra coisa para agradá-la. tão bonito. ele, cão, brinca com outro cão tentando imitá-lo - ele respira alto como se ainda fosse um filhote, ele ronca - você acorda e acorda acorda e acorda num movimento contínuo de ansiedade por vocês, por ele. você bebe o café e observa as duas imagens grudadas na geladeira, tem um índio com a boca igual a dele e tem uma mulher com o sofrimento igual ao seu, você fica se perguntando se foi a dona da escova de dentes quem grudou aquilo lá, se ela também pensou isso, se ela também sofre esperando pela boca dele, ele atende o telefone e você sabe que é ela, você se arrepende de não ter limpado o vaso sanitário com a escova de dentes dela, como é que ela se atreve a sofrer se ele é dela e se é a escova de dentes dela que está no banheiro dele. eu estou sozinha no meu quarto de criança, com dores no sexo e sem data prevista para encontrá-lo.
é leve, tão leve.

domingo, 18 de novembro de 2012

sobre estar cega

eu fico esperando, eu
você me viu murchar e perder as carnes e as peles, você
elas sabem que eu passei meses sem comer, eu passei meses sem comer um grão, as pessoas, elas
eu fico tentando entender, eu não sou nada disso, você sabe, mesmo sem carnes e peles, você
eu estou comendo há meses, eu como tudo aquilo que eu não deveria, eu não sou, você sabe, eu
você deveria me abandonar em breve, eu estou esperando, você
eu ainda não entendo o que é que você está fazendo aqui
elas, as pessoas, elas ainda não entendem o que é que você está fazendo aqui
carnes e peles e comidas a mais, metros a menos, anos a menos, eu tentei, sentimentos nojentos, posse excessiva, tudo de ruim está aqui, tudo de ruim está em mim, eu tentei enxergar o que é que você vê para não sair daqui, para não sair de mim, eu quero ver o que você vê, você não me diz, ou diz e eu não escuto você, eu quero entender o motivo, isso não é normal, você aqui há tanto tempo não é normal, eu queria que você largasse tudo por isso, você largaria por outras, é claro, isso eu já consigo entender, mas a permanência por mim, a permanência em mim,  isso eu já não entendo, eu odeio sentir assim, eu penso em te abandonar todos os dias, VOCÊ OLHANDO PARA MIM, EU NÃO ENTENDO, eu não creio que exista amor fora de mim, que é possível existir, que é possível que você sinta, você sabe que eu sou só isso assim, isso pequeno assim,  eu não enxergo, você sabe, você

você

você sabe que o discurso sobre liberdade é mais fácil quando se tem toda essa segurança, já eu

eu

eu sou invisível para mim.

sábado, 10 de novembro de 2012

organiz/elabor - ação da lógica dela

sim, ela percebeu que abandonaria aquele homem, era o que ela pensava, ela percebeu que aquele homem não era capaz de preencher todas as manhãs todas as tardes todas as noites, eu preciso de um maluco, ela pensava, psicopata, maníaco por mim, mensagens às três da manhã, aparições repentinas no horário de almoço, beijos de boa noite textos de boa noite sexos de boa noite, ela não tinha, ela recebe a invasão de tudo aquilo que ela não controla, palpitações líquidas, as batidas do coração entrando feito água pelas narinas, afogamento de lógica, e eu ouvindo a voz dele durante uma hora inteira, ela entendia, e eu com um misto de ódio de choro de vício de ver, e eu sabendo, sabia que os dias seriam de novo longos demais, ela sabe assim que a espera nunca poderia ser castrada, o arranhão da espera teria que ser um dado do próprio ser que era ela, ela, geradora do amor que habita o próprio ser que é ela, ela, amante todas as manhãs todas as tardes todas as noites, instância, ela percebeu, a instância era tudo aquilo que culminava na súplica, instância por constância, por falta de distância, por amenização de ânsia, era a vida rimada dela, a repetição do final, aparições beijos textos sexos rimados repetidos e imaginados durante todas as manhãs todas as tardes todas as noites, eu sou tão doce, tão doce, ela perceberá após as lágrimas internas, ele, a voz que estremece, ele, a voz que esfacela, era amor demais amor demais,  abolir o amor o choque a fusão, ela pensou, estremecida ela, esfacelada ela, ela percebe que não abandonará esse homem. não.