sábado, 21 de setembro de 2013

5.24 vigilante

eu te vejo na rua.
você fuma.
eu paraliso.
eu espero você sumir.
você some.
eu sento.
eu respiro.
eu entro.
você está deitado.
eu sento atrás de você.
eu assisto.
você olha para trás rapidamente.
você se assusta.
você torna a assistir por meio segundo.
você olha para trás longamente.
você pensa.
você olha para trás de novo.
você se levanta.
seus papéis caem.
você recolhe.
você vem até mim.
você beija meu rosto.
eu contraio todos os músculos.
você sério.
eu séria.
eu digo oi.
você diz oi.
você sorri.
você some.
eu engulo o choro.
eu controlo a respiração.
eu engulo o choro.
eu controlo a respiração.
eu engulo o choro eu controlo a respiração eu engulo o choro eu controlo a respiração eu engulo o choro eu controlo a respiração eu sempre me perguntei se o que eu sentia por você era real ou era um sentimento da lembrança do que eu imaginei ser você e então eu descobri que é real eu engulo o choro eu controlo a respiração eu engulo o choro eu controlo a respiração eu choro e engulo novamente.
eu assisto.
ela surge.
eu não ligo.
eu assisto.
você está lá.
ela está lá.
eu me sinto à vontade.
eu me sinto no sofá da sua casa.
eu mudo os sofás em que me deito mas ainda é a sua casa.
eu assisto.
você se agacha diante de mim.
você me oferece vinho.
eu aceito.
eu estou no sofá da sua casa.
você me traz vinho.
eu estou no sofá da sua casa.
eu vou ao banheiro muitas vezes.
eu estou no sofá da sua casa.
eu saio.
eu fumo.
eu estou há mais de 9 meses de distância do sofá da sua casa.
eu converso com o vigia.
eu retorno.
eu assisto.
eu assisto.
eu assisto.
você some.
eu não quero ir embora.
eu vou embora.
eu te vejo.
você sorri para mim.
você diz tchau.
eu não sei sorrir para você.
eu não sei sorrir para você você não sabe sorrir para mim eu prefiro você derrubando os papéis eu prefiro você sério comigo você tem que falar sério comigo você sorrindo assim não combina com a gente não é leve por favor não banaliza esse sorriso.
eu chego em casa.
a minha mãe diz que eu estou bonita.
eu me pergunto se.
eu me pergunto se.
eu como.
eu durmo.
eu sonho com o que vi.
eu acordo. 
vigilante.
eu não durmo.
você está acordado lá.
eu estou acordada aqui.
eu te.
eu.
você?
eu engulo o choro.
da minha janela eu já não te vejo na rua.
eu acabei de acordar mas faz meses.
que eu não durmo.

domingo, 8 de setembro de 2013

aquela cidade nos meus restos, ou o que restou daquela cidade

2807131747
a adolescência, as cachaças, as rimas da minha língua, as pequenas casas noturnas tão quentes, a falta de rigidez das madrugadas, os meus homens daqui, os meus homens daqui, os meus homens daqui, o colo da minha mãe. se é disso que eu sinto falta, porque eu não retornei pra isso?
porque eu nem sei se isso existiu, eu pensei.
porque isso está falido.

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“não é sonho”, eu pensei, ao reconhecer as casinhas de pedra através das janelas. “é aconchego”.
aqui é uma casa. uma casa onde eu posso ser sozinha. uma casa onde eu posso ser cigarros. uma casa onde eu posso ser silêncio.
aqui eu sou a minha própria casa.
(e o gosto dele ainda na boca.)

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(a voz dele ainda no meu cérebro)
sinto que aqui, as vozes e os gostos podem, definitivamente, virar passado.
eu quero viver aqui, sem saudade de lá. aqui é o recomeço.
a falta de tratos é passado também.

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eu fiquei sentada ali e simplesmente deixei que meus olhos fluíssem pelas pedras. eu vi casamentos. eu vi milagres. eu vi sangue. eu nunca imaginei que um lugar sacro fosse tão inspirador para a poesia profana. meu sexo se esvaiu. eu estou aqui. eu quero estar ali, nas paredes. nos vitrais. uma pintura. uma pedra. dura. sem calor. a função certeira da existência. sem suor e esses gritos.

0108131822
fogo e água corrente, vindos da cabeça. essa é a morte: invasiva. lembro de toda a morte do outro lado do oceano. morte minuto após minuto. minuto após minuto. ele me pediu para que não fôssemos tão distantes. acho que eu nunca vou conseguir fazer nada que ele me pede, eu preciso voar na direção contrária. eu quero expulsá-lo. aquela garota cretina quer me explodir, eu espero que ela exploda. eu quero dissolvê-lo de mim, em mim, o fogo que acende, a água que escorre, eu não quero voltar para a morte.

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eu observava “cupid complaining to venus”, de lucas cranach, e um pai explicava o quadro para o filho. ele dizia que sempre que há prazer, há dor, ele dizia isso com o peso dos adultos, e a criança talvez tenha entendido. o sofrimento e o amor. os amores alegóricos de paolo veronese. eu estou procurando amor em todas as paredes, e posso vê-lo até nos sexos das virgens.
(nos olhares desencontrados de robert campin.
meu e seus.)
rembrandt fez um autorretrato aos 34 anos de idade e outro aos 63. ele está com uma aparência similar, porém usa tintas mais escuras e borradas no quadro mais recente. deve ser terrível.  viver até que os órgãos as peles e os sentidos escureçam e se borrem.

0408131953
eu revi minha antiga escola em holborn. eu revi minha antiga casa em woodford. eu chorei sem lágrimas. wild is the wind, mas isso foi antes da ventania. eu tinha medo de voltar para casa no escuro, eu tinha medo dos homens de bicicleta, eu sorria, eu não via os meus ossos, eu sorria muito, wild is the wind, wild is the wind, wild is the wind, por que o meu passado de amor está comendo o meu frio com tantos dentes? dói. eu acabei de ler a peça “the strange undoing of prudencia hart”. é sobre uma menina que luta por sua linguagem. ela encontra um primeiro homem que acredita nela. ela vai até sua casa, e descobre um imenso escritório encantador, com livros. ela descobre que a casa é o inferno e que o homem é o demônio. ela vive uma história de amor com ele. mas ela precisa abandoná-lo, porque ele é o demônio. o processo de abandono é doloroso. ela precisa de ajuda. ela vai embora, após dois milênios de amor. ela se transforma em um demônio também. essa é a minha história. essa história é minha.

0608131918
eu sou feliz sozinha. os jogos, os testes, eles não me fazem sentir, nada que não seja verdade me faz sentir de verdade. eu procurei maneiras de substituir o amor, eu achei que o consumo seria um bom escape. eu não aguento mais. eu odeio a picadilly circus. eu consumi até um homem hoje. depois descartei, como se faz com as coisas. ele me chamou de mermaid. ele falou dos meus eyes, lips. ele ficou derretido, ele tremia, eu nunca vi um homem assim. o meu amor, ele costumava falar dos meus olhos também. eu acho que ele também tremia por dentro, eu acho que ele também explodia. os cigarros hoje me deixaram com uma calma cruel. eu te amo, eu quero ser tão cruel quanto você, eu sou um pequeno demônio deprimido agora. todos no hyde park me olham. tudo o que eu quero é ser sozinha, como você. eles me querem. eu quero a mim mesma. eu amo você. eu amo vocês, meus homens lá de trás. e agora eu sou só eu. eu sou feliz com meu livro e eu. meus cigarros e eu. eu e meu silêncio. “just leave.” eu. eu. eu. meu leão.

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aqui eu sou até bonita. aqui eu sinto até conforto. eu não quero voltar. a nossa casa é onde a gente tem sensação de pertencimento. eu encontrei o meu lugar.

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ao entrar em um aeroporto, você já não está mais em um país, você está em um limbo. não há nacionalidade, não há linguagem, não há amor. eu quero dar meia volta e voltar para casa. eu já urinei quatro vezes hoje.