quinta-feira, 25 de julho de 2013

eu-breton, para as minhas uniões

meus homens com os cabelos de antracite
com os cabelos de cinzas de cigarro
e com os pelos de cerrado
e com as peles de pães crus pães fermentados pães embolorados
meus homens com pensamentos de crisálidas
com pensamentos de tempestade
com pensamentos de flor de lótus
meus homens com as bocas de júpiter em combustão
com os dentes de lobisomens em lua cheia
com as línguas de carros de corrida
de febres dominicais
meus homens com as sobrancelhas de neblinas
com as sobrancelhas de irídios
de esfregões de limpeza
meus homens com os narizes de monarquias absolutas
meus homens com as barbas de urtigas
com as barbas de lixo europeu
meus homens com os ombros de dinossauros fossilizados
meus homens com os peitos de tábuas tortas
com os peitos de f(r)icções infantis
meus homens com as costas de lixas de unha
com as costas de calor
e com os pescoços de carne mal passada
meus homens com os braços de jararacas
e com os pulsos de ponteiros de relógios desordenados
e com os dedos de farpas
de agulhas de vacina
de bordas de papel sulfite correndo na pele
de sobremesas açucaradas
meus homens com os pés de atobás
com os pés de máquinas para pegar ursos de pelúcia
meus homens com as pernas de relíquias arqueológicas
e com as nádegas de pontos turísticos
meus homens com as barrigas de todos os reflexos de todos os gritos surdos
com as barrigas de verões
de compostos de etanol de pele de etanol de pele
meus homens com as ancas de britadeiras
e com os movimentos que acompanham o meu ventre
e com os sexos de espumas quentes de mares quentes
meus homens com os sexos de chaves maiores que as fechaduras
de chaves que arrombam as fechaduras
meus homens com os sexos de banquetes agridoces
meus homens com os sexos de monóxido de carbono
com os sexos de surra
e com os olhos de fúria
meus homens com os olhos de patas de insetos
com os olhos de equipamentos portáteis de visão noturna
meus homens com os olhos de grutas ocas
de noites nos desertos
com os olhos de noites e de noites e noites e de noites e noites e de noites.

sábado, 13 de julho de 2013

2.

no ano passado eu tentei comemorar essa mesma madrugada com você. não deu certo, nossas agendas se desencontraram, como sempre. mas eu te mandei um recadinho e você me respondeu. você sabia que a data era importante para mim. fazia um ano desde que aquilo tinha acontecido conosco. comigo. e agora faz dois anos.

como você está?

eu tenho vivido tempestades. eu sabia que isso aconteceria depois que cada um seguisse o seu caminho. porque eu não teria mais você para cuidar de mim. e então eu não teria mais ninguém para cuidar de mim. e então eu ficaria maluca de vez. e então tudo seria uma tentativa devastadora de ter todo o controle que eu não tive com você. eu sinto sua falta. eu sabia que seria mais difícil do que parece. é mais difícil do que parece.

se você ainda estivesse aqui, será que nós comemoraríamos essa madrugada? os dois anos da minha liberdade, e nós éramos tão presos. talvez nós não conseguíssemos. a madrugada de sexta para sábado quase nunca era boa para nós. os finais de semana quase nunca são bons para quem se esconde.

se você ainda estivesse aqui, eu ainda estaria girando em torno de você e você ainda seria o meu equilíbrio e o meu desequilíbrio. o meu equilíbrio e o meu desequilíbrio em dois anos e meio de relação. o meu equilíbrio e o meu desequilíbrio na constância. agora eu diluí os meus eixos e os desequilíbrios têm sido cada vez mais frequentes, por mais que o esforço tenha sido na direção contrária. eu não tenho você para me aconselhar, eu estou solta com a minha loucura. essa madrugada é minha e a celebração é solitária. você jamais guardaria a data. porque nada mudou para você há dois anos atrás. quem se transformou fui eu. com você. se você ainda estivesse aqui, será que nós comemoraríamos essa madrugada?

eu abri o meu diário e havia muitas coisas escritas sobre aquela madrugada.
eu dizia
agora é uma sala aberta.

talvez eu apenas precise fechar novamente. o diário. a sala. eu.
e parar de sentir. e parar de ser. e parar de querer.
e parar e parar e parar e parar e parar e parar e parar.

eu tenho tantas coisas para dizer, mas acho que não consigo dizer quase nada, eu choro muito.

como está N., que sempre me recebia com tanto carinho? eu sinto falta dela também.
será que nós estaríamos na sua casa? será que ela comemoraria com a gente?

eu acho que você celebrou a nossa data e datas e amor no ano passado, da sua maneira alternativa. você me amou em pequenas doses, e eu quase não vi. você me amava quando você me buscava ou me deixava na porta de casa, é delicado. você me amava quando você ficava feliz pelas minhas pequenas conquistas. você me amava quando você não tinha pudores em me falar sobre alguns dos seus problemas. você me amava quando ouvia todos os meus problemas com um carinho protetor. você me protegia tanto que me mimava, você me dava docinhos, você me queria feliz. isso é mais importante que o calendário. me desculpa, eu quase não vi.

você me viu?
se você ainda estivesse aqui, será que nós comemoraríamos essa madrugada?

há dois anos atrás era você ao meu lado, o cigarro queimando rápido daquele jeito, eu e a dor, eu e o silêncio, você achando os meus olhos gigantes na escuridão do princípio.

eu amo
enfim.

feliz dois anos do meu corpo.
para o meu próprio corpo.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

eu sou jocasta, eu sou anaïs nin, eu sou louise bourgeois


(eu tenho o corpo nu e deformado pelo sangue.)

eu gostava mais dele quando ele era um bebezinho e não falava nada.

eu gosto mais dele quando ele está dentro de mim e não pensa em nada.

eu quero fazer você voltar para o útero, eu amo você.

eu penso nas coisas que ele faz comigo e ouço a respiração do meu bebezinho

na 

cama.

ele respira alto como se ainda fosse um filhote, ele ronca.

eu durmo e acordo durmo e acordo num movimento contínuo de ansiedade por nós, 

por ele.

eu quero fazer você voltar para o útero, eu amo você.

eu revestida por pele.

eu exposta.

eu esperando palavras que são atravessadas pela invasão antes de nascerem.

a cabeça e o coração ainda doloridos pela madrugada, recebendo aquilo,

recebendo

aquilo.

eu quero fazer você voltar para o útero, eu amo você.

eu acordada vejo que ele acorda, ele deita com o corpo perpendicular ao meu corpo, a cabeça dele repousa em meu ventre, eu faço carinho nos cabelos nas barbas e nos pelos todos, é o meu bebezinho, lobinho, homenzinho, ele beija a minha perna, ele pula faminto e vai para a rua, eu tomo um banho sem estar suja, com ele eu nunca fico suja, porque é ele, meu homem, eu amo você. eu tomo um banho com os produtos dele para que os cheiros daqueles pelos sejam também os cheiros meus, eu seco os pelos próprios com a toalha dele, eu acordo e acordo acordo e acordo num movimento contínuo de ansiedade por nós, por ele, eu amo o meu filho e eu amo o pai do meu filho e eu amo o cadáver do pai do meu filho.

marido morto.

eu quero fazer você voltar para o útero, eu amo você.

engulo você.

como você.

como você me come.

você. 

(um animal irreconhecível chora gritando dentro do meu útero. ele quer sair.)
 
o meu amor é livre porque você saiu de mim, eu amo você, eu gerei você dentro de mim, eu amo você, o meu amor é livre porque eu amo só você só, então o meu amor voa, porque ele tem o direito de crescer para todas as direções sem nunca explodir, eu amo você, o meu amor é livre porque eu não amo um pouco um monte de gente, eu amo só você um monte de monte, o meu amor é livre porque ele é ilimitado, eu amo você, o meu amor é livre porque você é meu bebezinho, meu homenzinho, eu criei você , eu gosto de você dentro de mim, o meu amor é imenso e pode ser imenso porque eu tenho esse direito, eu cuido de você e eu posso amar você até onde eu quiser, porque só você está dentro da minha barriga porque só você está dentro da minha cabeça porque só você está dentro da minha boceta, eu forço você para o útero, eu como você, vem aqui, a entrada é aqui, ENTRA, vem, 

eu amo você. 

você. 
 
(o meu coração voa.)

terça-feira, 16 de abril de 2013

homens politizados

um homem que se diz de esquerda, mas que enxerga outra pessoa não como uma pessoa e sim como um problema a ser eliminado,
não entende nada sobre política.

um homem que discute os males do mundo capitalista, mas acha que a melhor maneira de lidar com um problema (pessoa), é ignorando-o, ou seja, seguindo a lógica do abafamento, da opressão e da alienação aplicada a seres humanos,
não entende nada sobre política.

um homem que estuda, questiona, exige posicionamento alheio, mas opta por posicionar-se ignorando um problema (pessoa) que está à sua frente, utilizando desde palavras não ditas até jantares amistosos regados a cerveja e maconha enquanto o problema (pessoa) espera uma resposta para um conflito que ainda é latente,
não entende nada sobre política.

um homem que participa de manifestações e entende sobre partidos, mas tangencia conflitos para preservar a própria paz, ignorando o inferno do outro, inferno este que ele próprio ajudou a criar,
não entende nada sobre política.

um homem que cria mundos utópicos, mas que cria infernos nos mundos reais por falta de capacidade (vontade) de compreender, respeitar e preencher as delicadezas dos tempos (momentos) e de encarar em conjunto as problemáticas que foram criadas em conjunto,
não entende nada sobre política.

que homem ingênuo o que pensa que a política está completamente distante! apenas no governo. nos órgãos institucionais. nas discussões filosóficas dos universitários idealistas. alguma instância da política está, de fato, longe, e deve sim ser discutida. mas a relação primeira está aqui. o ato político primário se dá na relação com o outro. na capacidade de transformação minha e do outro e na abertura para lidar verdadeiramente com os afetos e afetações que isso envolve. é necessário tentar verticalizar a experiência no campo do sensível. tentar olhar o outro nas pequenas relações. tentar olhar o outro. se esse passo básico, quase infantil, não é dado, é impossível dar os passos gigantescos para mudar coisas maiores (o mundo, como querem os homens ditos politizados). 

encarar o problema de frente, chafurdar nele, bater na mesma tecla até que vire pó. agora exposta. sem covardia. esse é meu ato político e talvez performativo. dói, mas eu não fujo.



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

o lobisomem

1. O RASGO
é cinza como a tarde no começo e azul como a neblina no depois. vem cá, lobinho, é frio, eu vi você rasgado, não veste, eu aranquei a sua roupa com amor, não cria pelo pelo pelo pelo pelo pelo pelo que era meu repete não assim se você me deixar em carne viva eu vou vomitar imitar você para você PARA - de repente é ele rasgando e eu vermelha como a morte, ele deixa pra morte, esse bicho, eu fiquei vomitando os restos daquilo que eu nunca deveria ter engolido.


2. A METAMORFOSE
eu sonhei que eu era um lobo eu acordei eu era um lobo eu acordei e era eu sonhei que era órfã de sol eu sonhei que eu era um princesa eu acordei eu era um lobo eu acordei e era eu sonhei que rasgava eu vou vomitar imitar você para você PARA não veste eu rasguei a sua roupa com VOCÊ me deixar em carne viva! VIVA! eu prometo rasgar você, eu prometo.

3. A LUA
segurar os pêlos pelas unhas e ver a luz branca subindo, é assim, você segura os pêlos pelas unhas e vê a luz branca subindo, é uivante, segura os pêlos pelas unhas e vê a luz branca subindo, a pele do monstro tem gosto de açúcar e ele é mais forte que você, mais forte pelas unhas e vê a luz branca subindo, é assim, as unhas e ver a luz, as unhas e verá luz, não corre - não corre, as unhas sem vomitar (agora já é depois).

sábado, 19 de janeiro de 2013

solvente intrín(seco)

(uma sala ou um oceano)

Uma dor de cabeça crônica que começa nos lobos parietais do meu cérebro e se estende até o lobo frontal do meu cérebro desde que aconteceu aquilo. Eu tenho pensado naquilo tanto, tudo aqui dentro. Eu tenho me descolado do meu cérebro, eu tenho falado pelo centro do meu corpo.
Uma dor típica dos problemas de visão e então eu tive que ter certeza, eu tive que me assegurar de que estava enxergando tudo direitinho. Eu estava.
Os olhos fechados e de repente aquela noite em que eu resolvi esmagar vaga-lumes com as mãos para comer as luzes, eu fiquei me perguntando se não era esse tipo de lembrança que estava comprimindo o meu cérebro até que ele sangrasse.
Os dedos dos meus pés amortecidos como o amor que eu teci. Eu abro os olhos e percebo que os dedos dos meus pés desapareceram, eles tornaram-se líquido azul, e então o corpo inteiro se degenerando e virando essa coisa. Azul. De baixo para cima. Não morrer, com toda a tragicidade da morte, mas sumir, com todo o mistério do desaparecimento. É assim. Quando você comete algum tipo de assassinato para obter algum tipo de iluminação. Você some.
Quando o cérebro começa a ser destruído, ele dói.
A minha poltrona encharcada. A minha cadela não tem para onde nadar.
A sala já é um oceano sem água
Para que seja eu
Para que seja
os meus lobos parietais localizados no centro da minha existência - o tato - a dor - a temperatura corporal - os estímulos dos lábios - língua - garganta - estava tudo organizado e de repente está tudo comprimido - o meu lobo frontal localizado na frontalidade da minha existência - os movimentos - as abstrações - estava tudo concreto e de repente está tudo derretendo - envio comandos para os dedos dos pés e eles não me obedecem mais - EU AINDA SOU VOCÊ - NÃO SE DESCOLE DE MIM - eu ainda não quero perder os comandos - eu ainda não quero perder o controle - eu ainda não quero sumir - eu ainda
Eu tenho pensado naquilo tanto, tudo aqui dentro.
Eu fiquei me perguntando se não era esse tipo de lembrança que estava comprimindo o meu cérebro até que ele sangrasse.
Morrer. Sumir. É assim. Quando você comete algum tipo de assassinato para obter algum tipo de iluminação. Você some.
A minha poltrona encharcada. A minha cadela não tem para onde nadar.
A sala já é um oceano sem água
Para que seja eu
Para que seja
eu poderia ser de couro mas o meu tecido é fino: encharcado: eu poderia ter dois lugares mas eu estou aqui comportando um único ser humano : daqueles que não são inteiros: daqueles pela metade: este ser sobre mim era um peso e agora é um peso menor: o peso de tudo aquilo que não é sólido: água em mim: eu tenho espaço para uma pessoa só: água em mim: eu vou começar a boiar daqui a pouco: água em mim: quando o líquido azul chegar ao teto eu terei espaço suficiente para duas pessoas: eu vou virar uma baleia...
Comprimindo o meu cérebro.
A minha poltrona encharcada. A minha cadela não tem para onde nadar.
Oceano sem água
Para que seja eu
Para que seja

fala comigo olha pra mim não some eu não posso beber essa água que você virou me dá água de verdade tem gosma cinzenta nessa sua água você está ficando azul demais socorro eu não tenho para onde nadar volta pra forma de antes volta eu vou morrer eu vou sumir junto com você está entrando nos meus buracos você está entrando no meu focinho eu vou nadar até o teto e depois
Que seja.

(inundação de ondas ou móveis)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

doze movimentos para dois anos

Um
o final das histórias reflete a essência delas. tudo aquilo que começa com omissão só pode acabar de maneira violenta. ele não aceita que eu seja contraditória. eu não posso amar e romper ao mesmo tempo ele não entende ele me agride. pra quê banhos tão longos tantas horas de preparo tanta maquiagem? pra quê tanta ansiedade tanta fome de ver? pra quê tanta cama tanto sexo?  pra quê tanta aceitação? a verdade é que esse homem não aceita que eu sinta amor por ele. eu não quero que nada parecido aconteça comigo de novo. eu nasci sem casca. as coisas não chegam até mim - elas me invadem de uma vez. o mundo é uma catástrofe invadindo minha carne. as pessoas com casca, elas me irritam profundamente. elas falam e agem sem medo de ferir. eu fico tomada de ódio pela minha carne violentada e arranco a casca dessas pessoas eu arranco com a faca arranco com as unhas. mas quando eu arranco a casca delas. elas morrem.

Dois
uma noite ele estava em cima de mim e eu disse: mas isso só acontece porque você foi meu professor e eu fui sua aluna e ele disse: eu não dou a mínima para o fetiche eu poderia ter te visto num bar e eu ia te achar uma gata mesmo assim eu ia falar com você mesmo assim e eu pensei: que bobo, um velho num bar.
Três
na primeira vez que fez aquilo comigo ele disse que queria ser lembrado como um amigo pra todas as horas - alguém pra confiar. a palavra amigo soava estranha pra mim mas mesmo assim eu achei bonito. ele queria que eu guardasse essa lembrança eu queria guardar essa lembrança mas era uma lembrança de mentira. ele omite tudo e as lembranças são de mentira por causa disso. ele queria que eu omitisse também. eu não vou.
Quatro
eu deitei no peito dele uma vezno quarto dele uma vez,  a carne exausta.  a gente ficou ouvindo aquela música que dizia love me love me, say you do, let me fly away with you, we’re creatures of the wind, wild is the wind,  give me more than one grasp, satisfy this hungryness, we’re creatures of the wind, wild is the wind, you touch me I hear the sound of mandolines, baby, you kiss me, with your kiss my life begins, com seu beijo minha vida começa minha vida começa minha vida começa minha vida começa minha vida
Cinco
a gente fingiu que criou vínculo profissional pra gerar dependência. eu fingi que precisava da ajuda dele e ele fingiu que me ajudava. é uma enganação acreditar que a perda está na instância profissional. há uma história de amor chegando ao fim da pior maneira e isso é tão tão mais importante.  eu disse que ele sofreria menos que eu e ele sentiu ódio de mim por causa disso. mas estamos falando sobre solidão. abandonar alguém que você ainda ama é como ser abandonado. eu abandonei esse homem e ele ainda tem a mulher dele. eu me abandonei e vou ficar no escuro - o mundo vai ter que começar de novo. então sou eu sim quem sofre mais e que briga boba, essa, de saber quem sofre mais, mas eu insisto que sou eu sou eu sou eu sou eu sou eu
Seis
bem no começo, quando eu era adolescente, no meio do amor eu montei em cima dele e eu fiquei desesperada porque eu senti vontade de fazer xixi – você se lembra? calma calma calma eu to com vontade de fazer xixi. eu corri pro banheiro e nada saía de mim eu voltei sem graça e sem entender. depois eu descobri que era vontade de outra coisa.
Sete
hoje é dia vinte e sete do doze de dois mil e doze e eu pedi pra ele marcar a data na agenda porque seria nosso aniversário  de dois anos. eu nunca fiz dois anos com uma pessoa. eu nunca vou saber se ele reservou a data de verdade – às vezes você fazia isso de dizer que ia guardar o dia pra gente e desmarcar em cima da hora. hoje faz uma semana que eu rompi. o nosso aniversário de dois anos virou missa de sétimo dia.
Oito
pra quê tanto cuidado pra escolher a lingerie, meu deus, se ele tirava tudo com tanta pressa? quando eu sentia prazer, eu chorava. uma noite no quarto de motel a gente entrou na hidro enquanto a água subia bem devagar. eu olhava praquela hidro vagabunda e dizia a gente parece milionário – porque tudo era tão tão rico com você por perto. quando ele tentou ligar os jatos direcionados a gente sentiu cheiro de queimado e teve que ficar com a hidro sem massagem porque ela estava completamente quebrada. eu fiquei morrendo de medo daquele cheiro e imaginei aquele quarto pegando fogo mas até que seria bonito um final assim: nós dois morrendo juntos depois do amor.
Nove
eu não tenho homem aqui em casa. o meu pai e o meu irmão eu não vejo. eu projetei um pai e um irmão e um namorado em um homem comprometido que me comia. ele projetou uma mulher adulta e esclarecida e bem-resolvida e moderna e poligâmica em uma adolescente virgem. dadas as circunstâncias nós dois temos problemas mentais visíveis. risíveis.
Dez
eu devolvi o livro que ele me deu mas memorizei a dedicatória, ela dizia: uma das coisas (são poucas) que mais me importam e me interessam na vida está neste livro. dando este livro pra você, deixo contigo um tanto do que sou feito (você é feita disso também). com amor, C. com amor com amor com amor com amor com amor com amor com amor
Onze
ele é amigo de todas as exs dele. todas são estonteantes e incríveis e importantes. a mim ele detesta a mim ele despreza de mim ele quer distância. eu respirei e me senti única, enfim, pela primeira vez. exceção pelo ódio. especial.
Doze
ele disse que não há mais respeito entre nós - portanto não há mais segredo. minha história de amante. está tudo aqui: escancarado. eu não sei porque doze movimentos. talvez porque o número doze tenha um dois, e multiplicado por dois dá vinte e quatro, que também tem um dois e é o número de meses de dois anos, portanto dois meses da história cabem em um movimento, dois em um – aquele livro que eu te dei, sabe? porque o dois está em tudo. nós dois. eu queria quantificar tudo encaixar tudo mas nada do que realmente importa está no campo dos números. o que aconteceu está além. é isso: a janela do meu quarto dá de cara para a rua onde ele parava o carro. eu nunca mais vou ver o carro dele lá.