segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

sobre meninas adolescentes com homens mais velhos

aos 17 eu me interessei por um cara 15 anos mais velho que eu, era meu professor. ele dava em cima de mim e eu achava legal.

aos 18 saímos pela primeira vez.

aos 19 eu já estava totalmente envolvida. ele me levava pra tomar vinho na casa dele e foi lá que perdi minha virgindade e senti amor real pela primeira vez. ele era todo "feministão" e inclusive tinha um quadro do "we can do it" na parede da sala.

a minha entrada na vida sexual foi bastante conturbada e eu precisei conversar muito sobre isso com um psicólogo na época. um psicólogo de 60 anos que ficou excitado com os relatos e resolveu dar em cima de mim. precisei interromper o tratamento.

mas tudo bem. eu tava me sentindo feliz com essa nova relação com o tal homem mais velho. depois de vários meses juntos (quase um ano), muito tempo depois que minha virgindade já tinha ido pro espaço, eu descobri que ele era comprometido. mas ele me disse que era uma relação super aberta, que tava tudo bem em relação a gente, e inclusive me fez duvidar de que essa relação com a outra mulher fosse de fato importante pra ele, pra mim sempre pareceu mais uma parceria de trabalho do que qualquer outra coisa. aí quis continuar. continuei. eu continuei mantendo um relacionamento escondido sem querer ser escondida, sem nunca ter de fato concordado com isso, mas aceitei em nome do "amor". eu não tinha relações sexuais com nenhum outro cara, por amor também. ele tinha, com a namorada  dele e com uma caralhada de outras minas que ele comia. mas eu não queria mais ninguém, só me sentia confortável com ele. e ele sabia disso. e ele começou a ser negligente, a me deixar de lado, a me envolver nas confusões dele e me deixar esperando os tempos que ele precisava pra "pensar" ou fazer qualquer coisa que fosse mais urgente. ele começou a me tratar como se eu fosse o ser menos importante do mundo, mas me dava todo o amor quando nos encontrávamos, dizia que o outro relacionamento dele estava afundando, e isso me enchia de esperanças. o sexo sempre girou em torno dele, eu nunca gozei, mas como eu nunca tinha transado com outros caras, não tinha parâmetros. o comportamento dele e a situação toda me deixaram mais ansiosa que o normal, comecei a desenvolver crises de pânico e crises suicidas durante a relação, precisei começar a me medicar. certo dia, a negligência dele começou a pesar muito, chegava no auge da gente transar, se despedir com ele dizendo que ia me ligar loguinho, e em seguida passar a semana inteira (ou mais) sem me contatar. foram uns 2 anos desse inferno. aos 21 eu decidi falar tudo o que me afligia e terminar, fui chorando me encontrar com ele pra explicar como eu estava me sentindo, devolvi os presentes que ele me deu e ele me mandou calar a boca antes mesmo que eu começasse. ele disse que não ia me aturar falando merda sobre ele, saiu andando e me deixou lá. passei uma hora chorando sozinha, voltei pra casa, peguei meu vidro de remédios controlados e tomei uma overdose. se minha mãe não tivesse chegado em casa a tempo, eu teria morrido. em seguida escrevi pra ele tudo o que não consegui falar. ele ficou ofendidíssimo por eu sugerir que ele era um "deflorador de virgens inocentes" (nunca falei isso), me chamou de mimada, de filhotinha do amor romântico, disse que não me respeitaria nunca mais e que não ia mais me responder.

a gente parou de se falar, todos os meus relacionamentos posteriores foram um fracasso, me apaixonei umas duas vezes sem muito controle e surtei sem grandes motivos em diversas ocasiões, enquanto ele se casou com a namorada, no civil. durante a adolescência coloquei na minha cabeça que ele era meu grande amor, que eu precisava dele pra viver, então senti falta dele, claro, e fui procurá-lo depois de uns 9 meses. ele correspondeu prontamente, também me procurou, a gente deu uns beijos e foi isso. isso nunca parou de me destruir. isso começou a me pirar. e eu fiz um plano mirabolante, arrumei um mestrado no exterior pro ano seguinte e decidi largar tudo (início de carreira, família, amigos) pra morar fora do país e ver se pelo menos a distância física fazia com que eu me livrasse dessa história. queria ter me despedido dele antes de partir, ele disse que também queria, mas no final das contas nunca apareceu e a gente não se despediu. fora do país, transei um monte e não me envolvi com ninguém, inclusive passei a criar certo asco depois de transar. vez ou outra a imagem dele voltava pra me assombrar quando eu tava na cama com outro cara, e eu achei até que fosse encosto, amarração, ou qualquer merda dessas. depois de um ano fora, voltei pro Brasil pra passar um mês de férias, mas não sem contatá-lo antes, desejando-lhe um feliz aniversário (as datas bateram), dizendo que estava com saudades, que queria vê-lo. ele, de novo, correspondeu prontamente, disse que também queria me ver, e foi assim que a gente se reencontrou. já com 24 anos, eu achei que estava preparada pra bancar um momento desses, mas precisei passar a tarde bebendo e acendendo velas pra evitar um ataque cardíaco. nosso reencontro foi lindo e intenso, a gente conversou bastante e reatou a relação depois de anos. ele disse que me amava, apesar de estar casado. disse que nunca deixou de pensar em mim. eu fiquei feliz porque o que considerei como um relacionamento abusivo e traumático durante muito tempo, de repente se tornou algo recíproco. eu repeti pra mim mesma que ele não era mau-caráter ou abusivo, que era só um tanto quanto confuso ou um tanto quanto melancólico nesse mar de contradições em que todos estamos. deixei claro que queria que ele se separasse, que eu não queria ser escondida para sempre, que eu não queria compactuar com um homem que engana outra mulher, e essa demanda ficou no ar, mas tudo bem, porque reatar é sempre leve, gostoso e devagar. e ele mudou muito. a partir daquele dia tornou-se presente, afetuoso. ele disse para mim que o que a gente tinha podia não ser perfeito ou ideal, mas que com certeza era muito mais bonito e importante do que as relações de rotina que as pessoas mantêm. tive certeza de estar vivendo a maior história de amor do século. mas eram só férias, e mais 8 meses fora do país me aguardavam, afinal, eu precisava concluir o mestrado. decidimos manter a relação à distância, com skypes e e-mails. nos primeiros 3 meses tudo funcionou muito bem. depois ele se acomodou e passou a reproduzir o mesmo comportamento negligente de antes. na minha primeira cobrança ele já se aborreceu e me mandou um textão falando o quanto ele era um homem especial por me dar liberdade e dar liberdade pras pessoas, por não ficar me cobrando atenção (e que eu não deveria cobrar também), etc. é muito maluco porque ele fala comigo como se estivesse falando com ele mesmo, como se a minha ideia de liberdade fosse a mesma que a dele. eu me dou muito bem com a ideia de rotina e monogamia, isso não me aprisiona não (respeito e compreendo quem se sente aprisionado). quando ele me diz que me deixa livre porque me deixa solta, ele não me diz nada. liberdade pra mim seria andar de mãos dadas na rua com ele, seria parar de me esconder e poder viver um relacionamento de boas ao invés de ficar me enfiando em quartinhos de motéis e ter que aturar uma aliança gigantesca no anelar esquerdo dele enquanto ele diz que me ama. é claro que, tendo consciência disso, eu respondi à altura, com um textão cinco vezes maior que o dele. e aí ele decidiu fazer uma viagem sozinho pra "pensar" (acho maluco o quanto ele pensa muito sem nunca agir) e me deixou sem resposta durante quase um mês. adivinha o que aconteceu nesse mês? depressão, ataques de pânico, pensamentos suicidas, insônia, pesadelos, e toda essa bosta que eu não tinha há ANOS (tinha até parado de me medicar). eu adoeci (fisicamente inclusive, fiquei fraca, parei de assistir aulas, minhas enxaquecas triplicaram, voltei a fazer tratamento, etc) e quando ele me contatou eu tava fraca demais pra voltar pra discussão de antes. eu passei umas 3 horas chorando no skype dizendo que eu só queria me matar, que a minha depressão tinha dado as caras e que eu tava no buraco. aí ele ficou nervosinho (sim!!!) porque os problemas que eu tinha eram os que todo mundo tinha e que eu não era do tipo de pessoa que realmente poderia se matar, e quando eu falei que não entendi a reação brava dele, ele disse que não tava bravo, que tava reagindo assim porque ficou preocupado. preocupado. super preocupado. preocupadíssimo. depois dessa conversa passou uns 10 dias sem me mandar uma mensagem sequer pra saber se eu tava viva. eu que precisei retomar contato e lembrá-lo que a gente ainda tinha uma conversa pendente (conversa da qual ele está nitidamente se esquivando). bom, chegamos ao momento presente, portanto, ao fim dessa história. como vocês podem notar, não é uma história empoderadora de superação e talvez seja um monstro que me persiga pelo resto da vida. to pagando pra ver se é romance ou tragédia. se isso é amor ou é abuso, se vai dar certo ou não, nem eu sei mais. e também não importa.

o que importa é: ta rolando uma polêmica aí de que um cinquentão do BBB disse que curte embebedar e pegar umas minas de 16/17 anos. aí uma mina da casa ficou puta porque acha ele um pedófilo nojento. se esses dois são personagens ou não, se é manipulação da emissora pra conseguir audiência ou não, foda-se. o que me deixa maluca é ver gente dizendo que não tem nada de errado na atitude do cara porque uma mina de 17 anos é madura e sabe muito bem o que faz. ta. vamos recapitular: aos 17 eu conheci um homem mais velho que desde então só tem fodido com o meu emocional através de joguinhos psicológicos e uma grande relação de poder. hoje em dia, mesmo sendo inteligente, independente e politizada o suficiente pra me distanciar dessa relação, a minha estrutura emocional já está tão quebrada que eu não consigo nem pensar em dar um basta nisso. existe um lado meu que acredita piamente na essência bela de tudo isso e um lado que diz: "foge, pelamordedeus, cê vai morrer, mina". se eu sabia o que fazia aos 17, 18, 19 anos? não. não sabia. se eu pudesse me dar um conselho pro meu eu-adolescente? "corre desse cara agora. não vai tomar vinho na casa dele coisa nenhuma. vai se descobrir sexualmente com alguém da sua idade". eu sempre me pergunto qual era o interesse de um cara de cabelos brancos numa menor que ainda frequentava os churras da galera do ensino médio, e as respostas que eu me dou nunca são favoráveis. ele tinha sim aquele papo de que eu era madura e inteligente, de que até achava que eu era mais velha, de que nunca imaginou que eu era a mais nova da turma. adorei ouvir isso na época, mas hoje sei que é mentira. eu olho pro meu eu-adolescente e posso constatar que eu era absurdamente cabaça. eu tive uma criação super privilegiada, demorei muito pra precisar começar a trabalhar, fui criançona até tarde e adolescentona até quase ontem, imatura de tudo, inocente, trouxa mesmo. aí alguém pode virar e me dizer: "mas agora a sra é adulta e sabe muito bem o que faz, se meteu com esse cara de novo por quê? porque quer. porque gosta." e eu respondo: sim, os meus sentimentos por ele são verdadeiros e imensos, mas, para além disso: vocês não têm a menor ideia das consequências futuras em uma adolescente que se envolve com um cara mais velho. vocês não imaginam as sequelas da dependência, as confusões afetivas e a bagunça na auto-estima que esse tipo de relação de poder gera. vocês não sabem o quanto eu gostaria de viver em paz, mas talvez nunca consiga. o quanto eu consigo externar isso racionalmente mas não consigo resolver internamente, nem de longe. o que eu to tentando dizer, gente, é que uma relação dessas pode foder o resto da vida de uma menina. e vocês aí falando que uma mina dessa idade sabe o que faz. sabe porra nenhuma. se soubesse, não fazia. ninguém quer sofrer desse jeito não. mas adivinha quem sabe EXATAMENTE o que faz? o homem mais velho. mas dele ninguém cobra nada, porque aparentemente homem tem liberdade social pra fazer várias merdas sem se responsabilizar, enquanto as minas pagam de loucas. não to dizendo que qualquer relação com essa diferença de idade está fadada ao fracasso, mas a maioria das histórias que a gente ouve por aí são de relações super abusivas, de muitas formas distintas. eu gostaria muito que meu caso fosse exceção, dou chances para que o homem em questão me prove isso, mas cada vez mais duvido que seja. e sou eu quem sabe da dor (e banca ela).  espero um dia poder resolver essa situação. meu projeto prático final de mestrado é sobre a romantização do abuso na arte e estou criando uma adaptação teatral de Lolita, o grande clássico sobre abuso que sempre foi altamente romantizado pela mídia (e que tem a ver com tudo isso que to falando aqui). espero, através da arte, não apenas conseguir transformar a vida de algumas pessoas, mas também me empoderar e conseguir transformar a minha própria vida (o que, ironicamente, parece mais difícil).

enfim. foda-se a minha vida pessoal. foda-se também que sexo consentido com maior de 14 é "legal". não me importa se esse velho do BBB tem uma situação aceitável perante a lei. não me importa a porra do BBB. o que me importa é gente responsabilizando meninas adolescentes por se envolverem com um homem mais velho. o que me importa é esse homem mais velho ASSUMIR que curte embebedar umas novinhas pra transar com elas, e a galera botar panos quentes, aí quando uma mulher dá barraco porque acha isso nojento, é taxada de louca. cara, vocês tão falando merda. vocês não tem nem noção de como a menina mais nova vê um homem mais velho e vice-versa. vocês tão protegendo o cara e responsabilizando as minas. vocês não tão entendendo o pensamento de bosta que ajudam a perpetuar com isso, a pedofilia cultural que vocês sustentam, a adultização de meninas, a infantilização de mulheres, e a naturalização do abuso que vocês geram. isso machuca pra caralho. isso é doente. apenas parem.

terça-feira, 22 de julho de 2014

o que eu vi hoje na bola de cristal

posso passar aí? primeiro reservamos horas. não falamos muito. eu tiro a sua roupa com cuidado. eu meço o seu corpo com a minha língua. quantas línguas minhas são necessárias pra traçar uma linha reta da sua testa até os seus pés? a minha saliva atropela a sua carne. eu engulo o seu gosto.

depois, ando sozinha no subsolo. eu sigo o barulho do reservatório de água. é um estacionamento. eu fecho os olhos e ainda assim sigo o barulho. será que algum carro vai me pegar? será que o reservatório vai explodir e eu serei atropelada por um tsunami? há também barulho de vácuo, barulho de assombração. abro os olhos, uma porta com buracos. há monstros do outro lado da porta. há monstros do outro lado de mim. a água explode daqui, ó: bem daqui.

mais uma vez, você mexe aqui, mexe com força como se fosse um tremelique. eu quero sentir aquilo. eu quero sentir desesperadamente. mordo você pra arrancar pedaço.

o que acontece se eu misturar todos esses remédios aqui? todos esses aqui?
vácuo. assombração.

enfim, a última cena. eu caminho na calçada e caio repentinamente. a cabeça dói, o ventre dói, tudo dói. a respiração não dá conta da quantidade de ar que eu preciso. a cabeça incha com diversas variantes dos mesmos pesadelos reais. sou lançada pelo vento no meio da rua.


espaço público, dor privada. 
meu corpo não escapa ao carro. 
meu corpo finalmente perde as carnes e as peles. 
as carnes e as peles por anos arrancadas.

slow motion, música melodramática.

o que eu vi:


estraçalhada.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

outros doze movimentos dentre tantos movimentos

1.
Hoje em dia não se compra um par de alianças por menos de mil dinheiros. Essa coleira de metal é um investimento do tamanho de alguns salários. Do tamanho de uma promessa de eternidade. Isso me faz pensar sobre o quanto as pessoas mudam imensamente em um curto período de tempo. Ou sobre o quanto as pessoas fingem que mudam. Ou sobre o quanto as pessoas nunca mudam: Você preso, eu livre. Você adulto, eu criança. Como sempre. Liberte-se. Envolva-me. 

2.
A melancolia é violenta, foi o que aprendi nesses meses sem você e naquelas noites com o homem triste. O homem triste preenchia cada pedaço vazio de sua vida com os meus gritos, o homem triste não se importava se os outros estavam olhando, o homem triste me comia com voyeur, o homem triste me comia sem voyeur, o homem triste me comia no chão e no teto, o homem triste me comia de frente e de costas, o homem triste me comia de todos os jeitos, mas me comia para machucar. Ele me invadia por dentro e me estapeava por fora. Ele me batia mais do que você, e eu gargalhava e gozava no meio da guerra. Na última noite nós dois choramos. Eu estava triste como ele é. Eu, triste com a minha vida, ele, triste com a vida dele. Estávamos ali sozinhos. Ele, desesperado para sufocar as lágrimas, enfiava tudo em mim enquanto me xingava. Eu abstraí e absorvi. Suavemente, peço que fique suave. Eu em transe. Sem mais beijos. Absorva meus sentidos.

3.
Eu não aceito roupa social para trabalhar, eu quero trabalhar pelada. Todos aqueles homens com seus pequenos poderes para cima de mim, todos eles tinham mais direitos que eu, e então eu respirei e nutri ódio. Eu quero cuspir nessa comida. Eu quero raspar os cabelos. Eu quero arrancar essa roupa. Rasgue minha camisa.

4.
Hoje eu fui você. Eu passei de carro em frente ao nosso ponto de encontro, e eu me vi sentada te esperando. Eu era um pouco mais nova e eu sentia muito frio. Eu usava saia xadrez e meia calça preta. Meus cabelos eram mais pretos. Meu casaco era mais preto. Foi assim que eu me vi, eu tremi no volante com a visão. Era eu na estação e era você no carro. Você no meu carro, dentro do meu corpo, com as mãos no meu volante. Você como um demônio me possuindo e eu como uma aparição, do lado de fora de mim. Eu tremo no volante e seus tormentos escapam pela janela. Eu sumo do lado de fora. Eu novamente sou eu, do lado de dentro. Agora em cacos. Cole os pedaços.

5.
Quando os beijos de carnaval resumem-se aos beijos, eu seco. Eu não tenho mais tempo para meninices. Eu sou uma mulher e preciso viver todo o meu sexo hoje. E amanhã preciso viver o sexo todo de novo. E depois de amanhã de novo. E de novo. A minha morbidez é tão somente desejo. Encharque-me. 

6.
Eu vi um ser humano virar uma máquina. Não foi uma visão sobrenatural, aconteceu de verdade, aconteceu diante dos meus olhos. Há alguns anos eu mostrei um seio para ele e ele atacou o seio com a boca, como fazem as crianças quando mamam. Ele desnudou o outro seio e navegou entre os seios com a boca, como fazem os adultos quando trepam. A barba quase ruiva dele era real, deixou pelos nos lençóis da cama. Hoje ele é uma imagem na tela do telefone celular. Como uma máquina defeituosa, ele liga e desliga quando ele quer. Como uma máquina sistemática, ele trepa comigo sem me tocar. Eu não sei ao certo como o sangue pulsa nele e isso esvazia o meu desejo. Não gozo com engrenagens. Primeiro retorne ao seu corpo, e só então retorne ao meu.

7.
Eu conheci um homem ainda mais velho que você. Ele fala com lábios acelerados, atropela as palavras, arranca os cabelos. Ele tem olhos vivos que pulam de um lado para o outro com uma contínua energia de vida nova. Quando a boca acelerada sorri, os olhos sorriem junto, e meus pés ficam amortecidos. Eu quero chegar perto dele. Eu quero que os olhos dele olhem através dos meus buracos e me vejam por dentro. Um dia desses, eu dei um abraço nele, ele me apertou com força e roçou a barba no meu pescoço. Eu estou viva e ele me deseja. Eu sou desejante. Não me ponha freios.

8.
Hoje eu revi aquele rapaz com cores instáveis nos olhos. Ele me subtraiu meia década, me afogou com o silêncio do seu jeito de mulher. Ele, tão mais feminino que eu, mordeu meu rosto, puxou meus cabelos, tirou-me do chão, deslizou comigo no chão, flutuou comigo sobre o chão, atravessou o salão escuro derretendo cada órgão do meu corpo, agitando meus sentidos com o ar que saía de sua boca, ele, aquele rapaz-mulher, pressionou-me contra a parede e me lambeu por dentro, e me tocou por tudo, e me largou tremendo. A minha morbidez é tão somente desejo. Entorpeça meu cérebro.

9.
Quando algum carro para onde você parava o carro, eu quero expulsá-lo a pedradas. Como alguém se atreve a acender faróis cheios de vida no cemitério? Hoje eu vi você morto. Eu esperneava de horror sobre o seu corpo, eu fazia escândalo, eu pedia que me matassem, que me levassem com você. Me leve com você.

10. 
Aquela mulher sorri e os cantos do olhar revelam bonitas rugas de expressão. Ela tem tanta ternura que poderia ser minha mãe. Ela tem tanto fogo que poderia ser minha amante. Eu quero ficar por perto para sugar a luz que sai de dentro dela, para emanar minha luz para dentro dela, para que nossas luzes se misturem e para que as luzes estejam iguais mesmo quando já estivermos muito distantes. Eu a vi pouquíssimas vezes, mas sei que é assim que eu quero ser. Um dia eu dei um beijo nela, foi breve, foi adocicado, e eu me perguntei se meu beijo era assim doce também. Eu quero que ela me ensine a ser doce. Eu quero que ela cuide de mim. Eu tenho curiosidade sobre todos os mistérios dela, porque eu quero reproduzi-los, porque eu quero tornar-me ela. Eu não tenho curiosidade sobre todos os mistérios dela, porque quero que ela viva os mistérios em paz, que seja ela e só ela sem sufoco. Eu não desejo destrui-la, eu desejo construir-me. Eu desejo que o sorriso dela revele mais belezas a cada dia. Eu desejo que nossas belezas compartilhem de mais proximidades. Eu desejo que os cantos do meu olhar revelem bonitas rugas de expressão com o meu sorriso. Sorria.

11.
O quarto sujo, caótico, desconhecido. Completamente alcoolizada, eu fui parar ali. Completamente alcoolizada, eu tirei nossas roupas. Ele, o estranho, completamente alcoolizado, entrou em mim e nunca mais parou de entrar. Dez minutos. Trinta minutos. Sessenta minutos. Cento e vinte minutos. De quantos gozos meus ele precisa para me dar o dele? Quantos dias são necessários para o fim? Eu em transe. Quando acabamos eu dormi por cinco segundos. Corri para a minha casa e passei o dia comigo na cama. O corpo morto e a boceta viva. Pulsando como se fosse explodir. Doendo como se ainda estivesse recebendo. Recebendo. Cento e oitenta minutos. Duzentos e quarenta minutos. Mil oitocentos e sessenta minutos de recuperação. Eu gosto de sentar no chão e deixar a pele bem geladinha, e gosto de secar o meu cabelo bem devagar com ar quente, até que ele fique macio. Sonolenta. Meu corpo sem forças volta ao quarto dele. Agora conhecido. Agora limpo. Minhas roupas, de repente limpas. Meus beijos, de repente tranquilos. Minhas forças, de repente fortes. Fizemos. E fizemos de novo em seguida. E ele ficava mais bonito a cada toque. E eu gozava com as mãos dele. E eu gozava com a boca dele. E eu gozava com o pau dele. Ele fez de mim uma guitarra para tocar. Os meus sons eram música. Ele agora era tão bonito que não era mais um homem: Era também um som de guitarra. Não uma guitarra tocando um solo, mas uma guitarra em meio a uma banda. Uma guitarra tocando com a minha guitarra e tocando com todos os outros instrumentos do mundo. Uma beleza dentre outras belezas. Um som que arrepia em meio a outras vivências. Teia de amores. Ele, todo som, vibrando em meus ossinhos. Eu, toda ossos, bonita no escuro e na luz também. Bonita voltando pra casa. Bonita o resto da semana. Bonita. A vida é música das boas. Quando passo a semana sangrando, quero que o sangue estanque para que continuemos a fazer nosso som. Eu, ele, e todo mundo que saiba tocar. Ouçam. Escute meu som.

12.
Você é meu começo e meu fim. Você preso, eu livre. Você adulto, eu criança. Inverta tudo e dá no mesmo. Você, criança livre, me construiu com as suas mãos. Desenhou meus seios altos e meu ventre baixo. Desenhou meus buracos estreitos e meus prazeres misturados ao choro. O que eu era antes de você? Um invólucro preenchido de metal pesado. Sem metamorfose, sem alquimia, sem espaço para outras substâncias. Pesos que não movem. Sem acesso tátil do meu corpo ao meu próprio corpo. Massa disforme. É mentira. Não era assim. Eu já vim moldada, mas não sabia. Você fingiu me moldar, mas só abriu meus olhos e órgãos. Me fez amante irremediável. Eu novamente sou eu do lado de dentro. Eu sou meu começo e meu fim. Quando nos beijamos pela última vez, eu pensei: "Desse jeito eu vou querer ir até o fim da vida". E agora eu quero. Antes que eu vá, escritor, me escreva uma carta. Antes que eu vá, me ame. Até o fim da vida. Até o fim das vísceras.

domingo, 19 de janeiro de 2014

perene

1.
ele tenta dar um beijo ela vira a cara
ele pergunta se ela não gosta de beijo
ela responde
gosto
ele tenta dar um beijo ela vira a cara
ele coloca as mãos dela sobre ele e dorme
ela solta as mãos e suga todo o ar do quarto
com a boca ela suga todo o ar
repõe o pulmão que esvaziou-se com a boca dele
se houvesse mais beijo a boca dele
sugaria não só o ar mas os pulmões
o cérebro
o coração
boca barulhenta sugadora de ares
de peles
de órgãos
de sentidos
ela repõe o ar e sente
que vive uma história de amor
ela sente
que pode morrer
e não dorme.

2.
quando ele a conheceu ela era
pequenininha
anã assim
dezessete aninhos
e cabelos negros que chegavam aos pés
gigantes
como os olhos
famintos
como os sexos
inchados
como os corações
gritantes
como os gritos de gozo
ela chora
no gozo e na despedida ela chora
com e sem ele
ela chora
come sem ele
ela incha
incha das fomes
incha das águas
gigante e careca ela é toda um sexo.

3.
ela suga o cigarro
chupa o cigarro
como antes chupava todo ele
respira a fumaça
engole a fumaça
como antes engolia todo ele
ela mata o cigarro
e pare o sol
grávida do sol ela escoa
a luz
tímida luz
luz assassina
é triste o amanhecer
o azul quase azul
o dia quase dia
os quases são tristes
eles quase correram um para o outro
depois de desligarem o telefone
após horas falando sobre o nada
tímidos assassinos
naquela noite eles quase correram
e agora é nada.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

mar afora

todos os corpos têm seus risos, alguns adormecem na sede do abraço, outros têm tremores oníricos-noturnos, e há aqueles que desajeitadamente desenham um quatro com as pernas e respiram ofegantes para cima

mas o seu

o seu tinha braços de tragédia

todas as noites antes de dormir você repousava a mão sobre a testa como um Édipo sofredor, os seus braços desenhavam todas as tragicidades das fábulas, e então você apagava tragicamente

tragicamente
você apaga

o nosso problema
é que você fala de Aristóteles
e eu falo de Magritte
o nosso problema
é que você é discado
e eu sou banda larga
eu tô abrindo várias abas e você tá dando lag
você tá dando lag
o nosso problema é que você é pra dentro e eu sou pra fora
fora da gaiola

vem cá pra fora
tem noites de amor
tem choro de despedida
tem chocolate
tem

eu decidi, eu vou pra fora, ainda mais pra fora
eu vou no ano que começa, eu vou agora
eu vou pra longe de você, eu vou embora
e assim não é seu medo que me impede de você
não o seu pequeno medo que me impede de você
lá fora quem me impede é o mar inteiro
ele é gigante
conforta impedimentos
alivia os meus intentos.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

o que eu espero de você

no plano real
- que você me escreva de novo
- que você me ligue de novo
- que você me veja de novo

no plano sexual
(este plano está entre o real e o ideal porque ele se dá entre a vida e a morte)
- que você veja o meu novo estilo de depilação na virilha e as posições sexuais que eu treinei com outros homens
- que você chupe meus peitos e minha boceta com mais vontade do que todas as vezes que você já me chupou
- que você me aperte me bata me morda e enfie o seu pau em mim com mais força do que todas as vezes que você já enfiou

no plano ideal
- que você fique absolutamente transtornado de amor com o meu retorno
- que você perceba que, apesar do fim, a nossa história está só começando, e que ela vai durar no mínimo uma vida inteira
- que você largue tudo e se case comigo 

sábado, 21 de setembro de 2013

5.24 vigilante

eu te vejo na rua.
você fuma.
eu paraliso.
eu espero você sumir.
você some.
eu sento.
eu respiro.
eu entro.
você está deitado.
eu sento atrás de você.
eu assisto.
você olha para trás rapidamente.
você se assusta.
você torna a assistir por meio segundo.
você olha para trás longamente.
você pensa.
você olha para trás de novo.
você se levanta.
seus papéis caem.
você recolhe.
você vem até mim.
você beija meu rosto.
eu contraio todos os músculos.
você sério.
eu séria.
eu digo oi.
você diz oi.
você sorri.
você some.
eu engulo o choro.
eu controlo a respiração.
eu engulo o choro.
eu controlo a respiração.
eu engulo o choro eu controlo a respiração eu engulo o choro eu controlo a respiração eu engulo o choro eu controlo a respiração eu sempre me perguntei se o que eu sentia por você era real ou era um sentimento da lembrança do que eu imaginei ser você e então eu descobri que é real eu engulo o choro eu controlo a respiração eu engulo o choro eu controlo a respiração eu choro e engulo novamente.
eu assisto.
ela surge.
eu não ligo.
eu assisto.
você está lá.
ela está lá.
eu me sinto à vontade.
eu me sinto no sofá da sua casa.
eu mudo os sofás em que me deito mas ainda é a sua casa.
eu assisto.
você se agacha diante de mim.
você me oferece vinho.
eu aceito.
eu estou no sofá da sua casa.
você me traz vinho.
eu estou no sofá da sua casa.
eu vou ao banheiro muitas vezes.
eu estou no sofá da sua casa.
eu saio.
eu fumo.
eu estou há mais de 9 meses de distância do sofá da sua casa.
eu converso com o vigia.
eu retorno.
eu assisto.
eu assisto.
eu assisto.
você some.
eu não quero ir embora.
eu vou embora.
eu te vejo.
você sorri para mim.
você diz tchau.
eu não sei sorrir para você.
eu não sei sorrir para você você não sabe sorrir para mim eu prefiro você derrubando os papéis eu prefiro você sério comigo você tem que falar sério comigo você sorrindo assim não combina com a gente não é leve por favor não banaliza esse sorriso.
eu chego em casa.
a minha mãe diz que eu estou bonita.
eu me pergunto se.
eu me pergunto se.
eu como.
eu durmo.
eu sonho com o que vi.
eu acordo. 
vigilante.
eu não durmo.
você está acordado lá.
eu estou acordada aqui.
eu te.
eu.
você?
eu engulo o choro.
da minha janela eu já não te vejo na rua.
eu acabei de acordar mas faz meses.
que eu não durmo.